terça-feira, 3 de agosto de 2010

LEITO (ou divagações sobre um colchão visto num cesto de lixo).

  Ontem, muito perto daqui, vi um colchão dentro de um grande cesto de lixo. Era um colchão de solteiro, cor de creme com rosas cor-de-rosa mesmo e alguns filetes azuis. Um colchão de casal fosse e então eu poderia imaginar milhões de histórias de amor desfeitas, que agora precisam ver indo embora para todo o sempre o visgo reminiscente das horas mais felizes da vida em comum. Mas não, era um colchão solitário.
  Solitário assim, no sentido de, teoricamente, ter sido feito para o um. Porque esse tipo de leito é o melhor de todos para se fazer do dois o um. Certo é que muito espaço se faz mais confortável para os desnorteios do fervor urgente, mas o mínimo dele é mais do que suficiente – e gostoso. Se não há para onde rolar, e a possibilidade de cair é de 100%, o jeito então é deslizar-se por cima, por baixo, de lado, um para cima e outro para baixo e começariatudooutravez, seprecisofosse, meuamor. Assim a urgência se faz mais delirante e o desejo mais infinito. Escorrega-se com mais facilidade porque o atrito é molhado. Prende-se com mais facilidade porque o molhado gruda.
  Talvez então para isso, para desgrudar da alma a lembrança, o colchão com rosas cor-de-rosa mesmo e alguns filetes azuis foi jogado ao lixo. Ou, então, era de alguma criança mijona.


Ou estava infestado de pulgas.