Ontem, muito perto daqui, vi um colchão dentro de um grande cesto de lixo. Era um colchão de solteiro, cor de creme com rosas cor-de-rosa mesmo e alguns filetes azuis. Um colchão de casal fosse e então eu poderia imaginar milhões de histórias de amor desfeitas, que agora precisam ver indo embora para todo o sempre o visgo reminiscente das horas mais felizes da vida em comum. Mas não, era um colchão solitário.
Solitário assim, no sentido de, teoricamente, ter sido feito para o um. Porque esse tipo de leito é o melhor de todos para se fazer do dois o um. Certo é que muito espaço se faz mais confortável para os desnorteios do fervor urgente, mas o mínimo dele é mais do que suficiente – e gostoso. Se não há para onde rolar, e a possibilidade de cair é de 100%, o jeito então é deslizar-se por cima, por baixo, de lado, um para cima e outro para baixo e começariatudooutravez, seprecisofosse, meuamor. Assim a urgência se faz mais delirante e o desejo mais infinito. Escorrega-se com mais facilidade porque o atrito é molhado. Prende-se com mais facilidade porque o molhado gruda.
Talvez então para isso, para desgrudar da alma a lembrança, o colchão com rosas cor-de-rosa mesmo e alguns filetes azuis foi jogado ao lixo. Ou, então, era de alguma criança mijona.
Ou estava infestado de pulgas.